A experiência AMS em algumas questões




O que é a experiência AMS?

A experiência AMS (Alpha Magnetic Spectrometer) é um detector de partículas de grande área e abertura angular construído com o objectivo de procurar antimatéria, matéria escura e contribuir para uma maior precisão nas medidas dos raios cósmicos que incidem na Terra. Os raios cósmicos, assim designados pelo físico americano Millikan no início do século XX, são na sua maioria constituídos por protões. Podem no entanto encontrar-se também outras partículas como sejam os electrões, positrões, antiprotões, fotões e ainda núcleos mais pesados.

A detecção de raios cósmicos primários (que não produzidos pela atmosfera terrestre) de energia intermédia (até aos TeV) exige a sua detecção no exterior da Terra. Isso consegue-se colocando as experiências em satélites ou na estação espacial ISS como é o caso de AMS. Experiências como AMS exploram estes mensageiros do Universo que são os raios cósmicos, tal como os astrónomos exploram a observação de planetas e estrelas usando a luz visível. Os detectores de raios cósmicos abrem outra janela para a interpretação de fenómenos astrofísicos, consituindo uma área de investigação em franco desenvolvimento.

Os fluxos de raios cósmicos que atravessam a galáxia são tanto mais pequenos quanto menor fôr a sua energia. Daí a necessidade de se utilizar na detecção de raios cósmicos uma superfície de detecção e uma abertura angular adaptadas à energia em questão. AMS, com a  forma aproximada de um cilindro de altura 3 metros e diâmetro de 1 metro, permite a detecção de raios cósmicos até ao TeV. A detecção de raios cósmicos de grande energia (superior aos 1000 TeV) só se consegue com detectores colocados à superfície da Terra e cobrindo uma grande área de detecção (kilómetros), como é o caso do detector Pierre Auger na Argentina, que visa a detecção de raios cósmicos de energia extrema.

Os raios cósmicos representam o maior acelerador de partículas à nossa disposição.  As energias extremas já detectadas nos raios cósmicos nunca poderão ser obtidas nos aceleradores em Terra. Daí a riqueza enorme de informação que estas partículas contêm. E fazem surgir muitas questões. De onde vêem? Como foram produzidas? Como se deslocaram até nós?

 

Imagem 3D da experiência AMS
Imagem a três dimensões da experiência AMS. O detector RICH encontra-se na parte inferior de AMS a verde.
AMS no shuttle
Imagem do detector AMS instalado no shuttle.


Quais os seus objectivos científicos?

Os grandes objectivos científicos de AMS são a descoberta de antimatéria e de matéria escura.


No final dos anos 20 do século XX, o físico Paul Dirac reunindo o conhecimento da mecânica quântica emergente aliada à relatividade restrita de Einstein (1905) previu a existência de antipartículas. Por oposição ao mundo em que vivemos feito de protões e electrões, existiriam assim outras partículas e porque não outros mundos, feitos de antiprotões (a antipartícula do protão) e de positrões (a antipartícula do electrão). Na cerimónia de entrega do prémio Nobel que Dirac recebeu em 1933 este afirma "temos que considerar como um acaso o facto da Terra (e sem dúvida o sistema solar) conter maioritariamente electrões e protões. É perfeitamente possível que a situação seja a oposta nalgumas estrelas, compostas de antiprotões e positrões".
Diga-se desde já que quantidades muito pequenas de antimatéria (um décimo de milésimo) se encontram presentes nos raios cósmicos que se detectam. Trata-se essencialmente de antiprotões e positrões, que são produzidos pelos elementos maioritários dos raios cósmicos (protões) que ao atravessarem com grande velocidade o espaço interestelar (o quase vazio!), podem colidir com a matéria existente (protões de novo, mas pouco energéticos), e produzir estes elementos de antimatéria, ditos assim de origem secundária. No entanto, o que AMS procura detectar são “anti-mundos”, isto é anti-estrelas, anti-galáxias...

Na origem desta ideia está a teoria do Big-Bang, onde iguais quantidades de matéria e antimatéria terão sido produzidas no início do Universo. No entanto, o mundo que habitamos (a nossa galáxia, a Via Láctea) é dominado pela matéria!!! Onde se esconde então a antimatéria? Não existe antimatéria em todo o Universo? Ou estará ela algures? Não é de excluir que o Universo se tenha dividido em aglomerados de matéria e antimatéria!!! A descoberta de antinúcleos de hélio por exemplo, seria uma descoberta muito importante e validaria a hipótese científica de existência de antimatéria algures.

Um outro problema central da física moderna é a chamada matéria escura. Trata-se simplesmente de matéria que não é visível,
que não emite radiação e de muito difícil detecção, isto é, com muito baixa probabilidade de ser observada. E aqui não se trata de detecção a olho nú! O nosso olho é um excelente detector, mas só detecta luz visível – radiação electromagnética com comprimentos de onda dos 400 aos 750 nanómetros. Trata-se de detecção com detectores de física de partículas capazes de observar a passagem de partículas invisíveis ao olho humano.   Há indícios claríssimos da existência deste tipo de matéria no Universo. Por exemplo no centro da nossa galáxia existirá uma auréola de matéria escura. Melhor, as medidas apontam para que grande parte do Universo seja invisível. Mas não conhecemos a natureza dos constituintes desta matéria escura. As partículas constituintes de matéria escura podem no entanto aniquilar-se noutras partículas, entre as quais estão partículas de antimatéria como os antiprotões, e os positrões. Ora o facto de esta antimatéria ser pouco abundante naturalmente nos raios cósmicos que se observam, torna muito interessante a sua análise. Um eventual excesso de antimatéria (!!) nos raios cósmicos pode fazer luz sobre a matéria escura!!! E AMS está em muito boa posição para a sua detecção.

Aqui pode consultar os objectivos de AMS na página oficial.

Paul Dirac

Quando está previsto o lançamento de AMS?

O lançamento de AMS-02 está previsto para o próximo dia 29 de Abril a partir do centro espacial Kennedy (KSC), na Florida (Estados Unidos). A experiência será transportada por um dos três shuttles ainda existentes, o Endeavour e será colocada na estação espacial internacional (ISS) a uma altitude de cerca de 400 km. As órbitas da estação espacial, isto é, o tempo de um ciclo completo em torno da Terra, duram cerca de 90 minutos. Portanto, em 24 horas executam-se 16 órbitas completas.

O calendário actualizado dos vôos shuttle pode ser consultado aqui.
Imagem do shuttle Endeavour no "pad" de lançamento em Cape Canaveral, Florida.Endeavour sts-134


Quando foram descobertos os raios cósmicos?

Os raios cósmicos foram descobertos através de medidas realizadas em vôos de balão em 1911-12, até altitudes de 5 Km, pelo físico austríaco Victor Hess, tendo este recebido o prémio Nobel em 1936. O prémio Nobel foi partilhado com Carl Anderson, que tinha descoberto em 1932 a existência de positrões (antipartícula do electrão), usando os raios cósmicos que chegam à superfície da Terra. A ideia associada a estes vôos em balão era tentar compreender se a radiação ionizante proveniente da radioactividade natural (a radioactividade, isto é, a instabilidade de certos núcleos de elementos da natureza, tinha sido descoberta em 1896 por Becquerel) era a explicação para o grau de ionização do ar que se observava. Daí fazer medidas a grande altura do solo. O que se observou grosso modo é que a ionização aumentava com a distância ao solo fazendo emergir a ideia de que a fonte deste fenómeno estaria no exterior da Terra e não à sua superfície. De facto, a origem desta ionização atmosférica tem a ver com os raios cósmicos incidentes na atmosfera terrestre. Mas a designação "raios cósmicos" que se deve a Millikan, só surgiria mais tarde em 1925.

É curioso notar que o lançamento de AMS-02 se faz no centenário da descoberta dos raios cósmicos.

Os raios cósmicos que Hess detectou são já o resultado da interacção dos raios cósmicos primários (maioritariamente protões como se disse atrás) com a atmosphera terrestra, havendo o aparecimento de uma cascata de partículas carregadas que se propaga ao longo da atmosfera terrestre até ao solo.


Vôo em balão de Victor Hess.Võo em balão de Victor Hess



Uma experiência colocada em órbita é sempre um desafio científico, mas antes de mais um desafio tecnológico.

De facto a colocação de uma experiência científica com esta complexidade no espaço é um desafio do ponto de vista tecnológico. Existiam limitações de potência eléctrica disponível (2KW), as vibrações mecânicas associadas ao seu transporte para a estação espacial, as variações extremas de temperatura, a necessidade de evacuar o calor gerado pela electrónica do detector de silício e ainda o problema dos arcos eléctricos que podem aparecer em condições de “mau vácuo”. Por todas estas razões cada sub-detector foi sujeito a testes e no final todo o detector AMS-02 foi testado na câmara de vácuo da ESA-ESTEC (Fev-Abr 2010).



Transporte de AMS-02 para ESTECTransporte de AMS-02 para ESTEC (Fev 2010)


Esta experiencia funciona com um campo magnético 4000 vezes superior ao da Terra. Como é que isso se faz? Como se mantêm esse campo durante anos no espaço.

Existia a intenção de equipar AMS-02 com um magneto supercondutor, recorrendo-se para tal ao seu arrefecimento com hélio líquido. No entanto, o facto de a experiência permanecer
na estação espacial ISS pelo menos até 2020 e a complexidade ligada à operação do sistema magnético supercondutor, levou à decisão de produzir o campo magnético da experiência através de um magneto permanente com um campo B da ordem de 1500 Gauss, ou seja seis vezes inferior ao campo produzido pelo magneto supercondutor. Este magneto permanente já foi utilizado em AMS-01. O magneto permanente tem uma forma cilíndrica e é composto de “tijolos” ferromagnéticos que estão reunidos de forma a garantirem um campo magnético no interior do cilindro perpendicular ao seu eixo. O campo magnético magnético gerado corresponde de facto acerca de 4000 vezes o campo magnético terrestre (da ordem da décima de Gauss).


Magneto de AMSMagneto permanente de AMS (construído na China).


E o campo magnético terrestre? Tem alguma consequência nos objectivos científicos de AMS?

A terra possui um campo magnético que se assemelha àquele que seria produzido por um gigantesco íman em forma de barra. Se esquecermos os sistemas modernos de orientação por GPS, o campo magnético terrestre é de grande utilidade para a orientação dos humanos à superfície da Terra (bússolas). Mas os seus efeitos não se resumem a isso! A radiação cósmica que incide na Terra sente também os seus efeitos. A existência do campo magnético terrestre que se estende pelo espaço (que vai diminuindo de intensidade, obviamente) faz curvar as partículas com carga eléctrica que compôem a radiação cósmica, funcionando como uma blindagem. Mas tudo depende da latitude (magnética) em que nos encontramos. Por exemplo nos pólos magnéticos (não coincidentes mas próximos dos pólos geográficos Norte e Sul) o efeito do campo magnético terrestre é pequeno e daí a observação de fenómenos como as auroras boreais. Portanto, para a experiência AMS, o campo magnético terrestre funcionará como uma blindagem que afectará os espectros das partículas detectadas até uma energia de alguns GeV. Mas não impedirá a observação de raios cósmicos de diferentes energias porque AMS orbita em torno da Terra e portanto passará também próximo dos pólos magnéticos onde o efeito de blindagem é pequeno.

Campo Magnético da TerraLinhas do campo magnético gerado pela Terra.


Há cerca de 10 anos voou AMS-01, um detector de raios cósmicos que esteve em órbita durante 10 dias, aproximadamente. Por que é necessário AMS-02? Quais as principais diferenças?

O projecto AMS começou na primeira metade dos anos 90 tendo como mentor o prémio Nobel da Física, Samuel Ting. Depois de ter liderado a experiência L3 do colisionador LEP do CERN, procurou com a proposta da experiência AMS, aproveitar a janela de oportunidade que existia com a construção da estação espacial ISS. A ideia consistia em colocar no espaço um detector de física de partículas com grande aceitância geométrica e capacidade de identificação dos diferentes tipos de radiação cósmica incidente: maioritariamente protões, mas também núcleos mais pesados, electrões, positrões, antiprotões, etc... Ou seja, era necessário colocar no espaço uma experiência com capacidade de medição do momento linear das partículas (um espectrómetro magnético), a medição da carga eléctrica e a medição da velocidade. Para demonstrar a viabilidade do projecto, desenvolveu-se num curto intervalo de tempo a experiência AMS-01 que a bordo do space shuttle Discovery, adquiriu dados durante cerca de 10 dias em Junho de 1998. Este vôo, o último de um shuttle para a estação espacial MIR, permitiu colectar uma grande quantidade de acontecimemtos e fazer uma medida precisa do espectro de protões e hélios. Além disso, detectou-se a presença de um espectro secundário de electrões/positrões bastante importante.

O projecto de fazer evoluir AMS para uma segunda fase de forma a instalar um detector com alta performance na ISS já existia e visava essencialmente melhorar a detecção de electrões e positrões e dotar AMS da capacidade de separar núcleos com a mesma carga eléctrica e massas diferentes (isótopos). Foram assim introduzidos três novos detectores: um detector de transição de radiação, um detector de radiação de Cerenkov onde Portugal participa e um calorímetro electromagnético.

AMS-01 vista da estação espacial MIRA A experiência AMS-01 observada no interior do shuttle Discovery a partir da estação espacial MIR.


A equipa portuguesa que lidera participou na construção do RICH. O que é isso? Qual o vosso trabalho?

Portugal participa através do LIP/IST na experiência AMS desde Setembro de 1997. Em AMS-01, a contribuição portuguesa centrou-se no detector de limiar de Cerenkov, em colaboração com os grupos de Annecy e Grenoble (França) e Bolonha (Itália). Este sub-detector visava especificamente a identificação de antiprotões, uma vez que depois de descobertos na radiação cósmica em 1979, a sua estatística colectada era ainda pequena (dezenas de acontecimentos) . A nossa participação nessa fase foi essencialmente na simulação do sub-detector e na análise de dados subsequente. Após este vôo experimental, deu-se início aos estudos e à construção de AMS-02, integrando então novos detectores que permitissem uma boa identificação de electrões e positrões (calorímetro electromagnético e detector de transição de radiação) e a separação de elementos com a mesma carga eléctrica, mas diferente massa (detector RICH). O grupo português LIP/IST em parceria com os grupos de Grenoble (França), CIEMAT (Espanha), Bolonha (Itália), Univ. Maryland (EUA) e Univ. México participou desde início no projecto do detector RICH. Este detector visa medir a velocidade das partículas carregadas com uma precisão da ordem de um por mil.

O grupo participou activamente no desenvolvimento do detector, na sua simulação e nos testes a que este foi submetido. Adicionalmente, desenvolveram-se algoritmos de reconstrução de velocidade e de carga eléctrica que se encontram implementados na cadeia oficial de reconstrução. Sem o desenvolvimento destas ferramentas de análise e reconstrução dos sinais recolhidos pelo detector, não seria possível a sua completa exploração. 







Da esquerda para a direita: Rui Pereira (post-Doc FCT), Samuel Ting (spokesman da experiência), Fernando Barão (responsável do grupo  AMS/LIP). Endeavour em fundo.S. Ting, F. Barao, R. Pereira
Da esquerda para a direita: Fernando Barão (responsável do grup AMS/LIP), Luísa Arruda (post-doc FCT). Imagem tirada na sala limpa (CIEMAT, Espanha) onde o detector RICH foi assemblado.F. Barao, L. Arruda durante assemblagem do detector RICH
Detector RICH durante a integração de AMS na sala limpa do CERN.Detector RICH durante a integração de AMS no CERN


Qual a participação portuguesa na experiência AMS-02? Quantos investigadores? Quantos estudantes ja defenderam teses neste tema?

Há que referir que uma experiência como AMS possui muitos factores externos que podem dilatar muito o seu tempo de realização. Desde logo, o facto de ter que ser transportada pelo shuttle, e este ter tido dois acidentes graves nesta última década, atrasou fortemente o calendário inicial da missão que previa a sua instalação em 2003 na ISS. Depois existe o contexto político, económico, etc... Por todas estas razões o seu lançamento em breve constituirá um acontecimento excepcional que tornará possível a detecção de raios cósmicos fora da da atmosfera terrestre, por um instrumento científico de grande performance.

Os últimos anos foram por isso dominados por uma certa incerteza. “Quando será lançada a experiência?”, era a questão que atravessava todos os espíritos dos elementos da colaboração.

A equipa portuguesa que actualmente colabora activamente na experiência é constituída por três pessoas. Perspectiva-se o o seu crescimento através da entrada de novos estudantes com gosto pela física dos raios cósmicos e pelo descoberta de novos fenómenos...

No âmbito da experiência AMS realizaram-se ao longo destes anos dua teses de doutoramento, três teses de mestrado e duas teses de fim de curso.




É possível seguir o lançamento? Como?

É possível seguir as actividades da NASA no seu canal de TV NASA TV.
Além do mais o CERN cobrirá o acontecimento com imagens da NASA e entrevistas a alguns colaboradores de AMS.





Links para mais informações...
Página web de AMS no LIP
Página Web da Colaboração AMS
Página Web de AMS na NASA

Contactos:
Fernando Barão
Prof. Aux. do Dep. de Física do IST
Investigador no LIP
barao@lip.pt